Merenda x Dona Helen
Antônio Cleudir de Souza
Não, este não era o seu apelido, era seu sobrenome.
Merenda era magricelo, loiro, olhos azuis, parecia descendente de alemães.
Alegre?Inquieto?Irreverente?Extrovertido?Era tudo isto e um pouco mais.
Poderia se dizer com certeza que ele era imprevisível, o mais acertado: ele era encapetado.
Ele se sentava na primeira carteira da primeira fila, próximo da porta de entrada da sala de aulas, de onde poderia acompanhar todo movimento do corredor.
Quando toda a classe estava em silêncio, copiando o que o professor escrevia no quadro negro e apagava em seguida, Merenda sorrateiramente saia da sala sem ser notado.
Quase no final da aula, ele batia na porta:
- Com licença Professor, posso entrar?
- Eu não autorizei você a sair da classe Merenda!
- Mestre, o Senhor estava muito ocupado, eu muito apertado.
- Se eu não saísse em um minuto, faria tudo nas calças, não seria agradável prá ninguém. Saí correndo, mas deu tempo.
Com a maior cara de pau ele finalizava:
- O Senhor pode me desculpar só desta vez?E abria seu sorriso mais angelical.
Na mosca, ele sempre conseguia! O bandido era novamente perdoado.
Na primeira carteira da segunda fila sentava ao seu lado, Dona Helen.
Seu marido era dono de um Escritório de Contabilidade.
Foi ele que a convenceu voltar a estudar depois de casada, para ajudá-lo mais tarde em seu escritório.
Ela não era atenta, um pouco avoada. Para compensar, ela sempre levava um bombom, um pedaço de bolo que fizera ou um pedaço de torta, que oferecia aos professores.
Nós achávamos que era um pouco bajuladora.
Ela vivia dando bronca no Merenda, que sorrindo respondia:
- Hoje a Senhora está lindona! Deslumbrante!Uma gata!
Todos achavam graça e tudo acabava bem.
Noventa e nove por cento da classe estava mau em matemática.
O Professor Nereu não era um carrasco, ele era simpático. Alto, quase calvo, óculos de aro de tartaruga.
Ele era solteirão convicto, tinha uma governanta em sua casa que alem da limpeza e organização, era ela que fazia as compras de tudo, alem de colocar em ordem seu Diário de Classe.
Ele sempre chegava à escola em sua bicicleta Monark.
A matéria por ele lecionada era muito difícil. Todo mundo tinha dificuldade.
Durante a prova do final do primeiro bimestre, todo mundo estava apreensivo, precisando de nota.
Merenda fizera uma cola das principais fórmulas e colocou na parte interna superior de um pequeno estojo de lata.
As questões eram copiadas com tinta, os cálculos feitos a lápis.
Sempre que abria seu estojo, simulando pegar a caneta ou o lápis, ele dava uma espiada e continuava tentando resolver a questão.
De repente, Dona Helen levantou a mão:
- Com licença Professor Nereu!
- Pois não Dona Helen.
- O Merenda está colando!
- Eu? Eu não Seu Nereu!
- Está sim! A cola está dentro do estojo!
O Professor foi até sua carteira, abriu seu estojo.
- Pode se retirar Merenda, sua prova vai ser anulada. Você vai ficar com Zero!
- Sua bruxa, porque não fica na sua casa? Velha não devia frequentar a escola!
- Seu Nereu, ele está me xingando, ele me chamou de velha!
-Saia Merenda!
Merenda saiu resmungando, louco de raiva, chorando.
A Dona Hlen, não deveria ter dedurado o Merenda.
O Merenda não devia xingar a Dona Helen.
A DonaHelen era uma mulher casada, ela queria que todos fossem honestos. Ela achava que o Merenda era Indisciplinado.
O Merenda era amigo de todos, encapetado, mas a alegria da classe.
A classe ficou dividida com o fato.
Após as férias de Julho, Dona Helen ganhou permissão para adaptar seu uniforme. Sua barriga estava grande, ela ia ser Mãe até o final do ano.
Naquele dia, teríamos dobradinha de matemática, ou seja, duas aulas seguidas.
O Professor Nereu deveria corrigir as provas do terceiro bimestre na primeira aula e após dar matéria nova, mas esqueceu o envelope com as provas em cima da mesa, em sua casa.
- Professor, eu posso ir buscar, ofereceu-se Merenda.
- Tudo bem Merenda. Como não tem ninguém em casa nesta hora, pegue minha bicicleta e leve a chave da porta. As provas estão dentro de um envelope pardo, em cima da mesa. Não demore.
Os Professores sempre mantinham o Merenda fazendo alguma atividade, assim ele não criava problema.
Terminou a primeira aula, e o Merenda nada de retornar.
No início da segunda aula, ele chegou esbaforido.
- Com licença Seu Nereu, aqui estão as provas.
- Porque você demorou tanto?
- É que eu dei uma passadinha na minha casa Professor.
- O meu pai agora é representante de um frigorífico, ele vende presunto. Eu trouxe um presunto para dividir com a classe. Posso pegar uma faca na cantina e dar um pedacinho prá cada um?
A classe toda implorou para o Professor.
- Ta bem Merenda, pegue o presunto e divida com seus companheiros.
Merenda trouxe metade de uma peça de presunto. Cortou um grande pedaço e anunciou:
- O primeiro pedaço vai prá quem?
- Para o Professor Nereu!
O professor pegou seu pedaço e agradeceu.
Ele então começou a dividir o restante, dando um pedacinho prá cada um.
A classe estava em festa, todo mundo saboreando o presunto do pai do Merenda.
Ele deu um pedaço para o Cleudir. Após dar a primeira mordida, ele perguntou:
- Puxa, que presunto gostoso Merenda, que marca é?Eu quero mais um pedaço.
-Eu não sei, eu peguei na geladeira do Seu Nereu, foi a governanta dele que comprou!
Cleudir olhou para o Professor Nereu mastigando seu pedaço de presunto começou a rir e se engasgou:
-Você roubou da geladeira?
Merenda começou a bater em suas costas e falou em voz alta:
- Não liga não Professor, ele é guloso tá só um pouco engasgado.
Seu amigo tossia e ria muito mais.
II
Final do ano. Últimas provas.
Todo mundo dependendo de nota de matemática para passar.
Antes de o Professor Nereu entrar na sala, todos davam ainda uma última olhada nas fórmulas mais complexas.
Dona Helen, escreveu uma fórmula que não conseguia decorar.
Por fim, dobrou-a em um pequeno pedaço de papel. Não sabendo como utilizar, colocou-a dentro da meia de cano curto, branca.
O Professor Nereu escreveu as questões no quadro negro.
O silêncio era total, a vontade de espiar o exercício do vizinho era tentadora.
Ele caminhava entre as carteiras.
Antes do final da prova, Merenda levantou a mão:
- Com licença Seu Nereu!
-O que você quer Merenda?
- A Dona Helen está colando!
A classe toda parou.
- Para com isso Merenda, advertiu Seu Nereu.
- Eu não estou colando Professor, eu Juro!
- Está sim, eu posso provar! A cola está dentro da meia, na perna esquerda!
-É verdade Dona Helen?
- E.. e.. eu escrevi uma fórmula, mas não estava usando.
Ela enfiou os dedos na meia pegou a fórmula, para entregá-la ao Professor.
-O Senhor anulou minha prova, agora anule a dela Professor, disse Merenda.
Seu Nereu aproximou-se da carteira de Dona Helen.
Antes que ele tirasse sua prova, Dona Helen começou a chorar, dizendo que estava passando mal, ela ia desmaiar.
Ela estava enorme, entrando no último mês de gravidez.
Bateu o sinal, ninguém se mexia.
Seu Nereu abanava Dona Helen,as meninas suas colegas foram buscar água com açúcar.
Merenda desapareceu. Ele ficou alguns dias sem aparecer na escola.
Quando voltou, estava constrangido com o que fizera.
No início de Dezembro, em nome de toda a classe, Merenda levou um buquê de flores na Maternidade, onde Dona Helen ganhara um lindo Bebê.Eles reataram a amizade.
Ficamos todos felizes para sempre.
FIM