Conto sobre o Professor Anísio Borges
Antônio Cleudir de Souza
No mês de outubro (1967), durante a comemoração do dia dos Professores, alem de musica e poesia, os alunos resolveram imitar seus mestres em sala de aula.
No salão nobre da escola colocaram no palco, várias carteiras, um quadro negro e a mesa do Professor.
Ao abrirem-se as cortinas, vários meninos e meninas entraram no palco fazendo a maior algazarra e sentaram em suas carteiras.
Ao soar o sinal de entrada, entrou um garoto quase correndo, de camisa e gravata, um avental curto exageradamente encardido, uma peruca simulando calvície total, um nariz postiço adunco enorme, e sentou-se à mesa.
Fez a chamada às pressas e correu para o quadro negro.
A plateia ria muito com seus gestos, era o Professor Pascoal, não havia dúvida.
O Professor se retira correndo ao soar o sinal.
Em seguida, entra outro garoto caminhando com passo de tartaruga, empertigado, de camisa e gravata, um avental comprido branquíssimo abotoado até o pescoço.
Ele se apoiava no quadro negro, cambaleando. O menino demorou cerca de cinco minutos até sentar-se.
Ele não olhou uma vez sequer para os alunos, que se calaram imediatamente.
Com as mãos tremulas, retirou do bolso do avental um pequeno óculos dobrável e colocou sobre o nariz.
Em seguida, sussurrando começou a fazer a chamada.
Sem dizer uma palavra, levantou-se lentamente, foi até o quadro e com a mão tremula escreveu:
Sumário:
Era o Professor Geraldo Correa.
Os alunos o achavam meio lunático. Devido a sua seriedade, ele tinha autoridade plena.
Devido ao seu jeito meio amalucado, ele era temido e respeitado por todos os alunos.
Outro sinal, novo professor.
De terno, sorriso largo, o cabelo empastelado de brilhantina, com uma mala de couro cru enorme na mão direita, cumprimentando seguidamente:
- Boa Noite! Boa Noite! Boa noite!
Era mais um professor. A plateia aplaudia.
De pronto todo mundo sabia quem era:
Professor Neder.
Ele carregava sempre uma maleta 007 grande na mão direita.
Gesticulando sempre e falando muito, o menino dava explicações para a turma.
De repente, a aula foi interrompida, alguém bateu na porta. Era o Diretor da escola.
- Com licença Professor Neder!
- Pois não Professor Anísio!
Entrou o novo personagem na sala.
Era Zé Mário, irmão do Cleudir.
Com o cabelo espetado, óculos de aro fino, terno e gravata. Sua barriga era semelhante a uma mulher grávida nos últimos dias. Ele amarrara uma almofada sob a camisa.
- Eu preciso dar um aviso para os alunos, falou.
- A classe é sua, Professor.
O garoto ajeitou os óculos, colocou as mãos sobre a enorme barriga e disse:
- Eu sei que estudar à noite e trabalhar durante o dia, exige muito sacrifício! De forma inesperada, emendou um berro:
- O CURSO NOTURNO É UM CURSO PENOOOOSO!
Os professores e a plateia gargalhavam. Por alguns minutos todos olharam o Professor Anísio balançando sua enorme barriga, sorrindo na primeira fileira.
Quando a cena voltou ao normal, o “Professor Neder” agradeceu ao Professor Anísio, que se dirigia para a porta de saída e indagou;
-O Senhor tem mais alguma coisa para dizer aos alunos, Professor?
- Sim! E emendou outro berro:
-O CURSO NOTURNO É UM CURSO PENOOOOSO!
Quando as cortinas se fecharam, eles foram aplaudidos de pé.
Esta foi uma das raras vezes que vimos nosso Diretor sorrindo.
O professor Anísio era negro, estatura mediana, cabelos cortado “escovinha” e usava óculos de aro de ouro.
Invariavelmente entrelaçava as mãos sobre a grande barriga, quando discursava ou dirigia algumas palavras aos alunos.
Ele sempre repetia aos alunos do curso noturno a frase dita por Zé Mário no palco, ressaltando sempre que reconhecia o quanto era difícil conciliar o trabalho e a escola.
Era uma pessoa determinada e firme em suas decisões.
Vivíamos anos rebeldes, Rock and Roll, meninos de cabelos compridos, calças boca de sino, meninas de minissaia, amor livre.
Na escola, tudo era proibido, ele era duro, autoritário.
Desafiando a sua autoridade, no GERB, sempre que havia um feriado na terça, ou quinta-feira, convocávamos os alunos para cabular as aulas, emendando o feriado.
Como estávamos proibidos pelo Professor Anísio de comunicar aos alunos nas salas de aula, Edmilson, um amigo do GERB, apelido “Mixo”, bolou uma forma de mensagem cifrada.
Cada representante de classe deveria colocar no quadro negro a palavra: “ANTA”, que avisamos aos alunos significar:
“Amanhã não tem aula”.
Fazíamos então uma barricada no portão de entrada, convencendo os indecisos a não entrarem na escola.
Nesta época Cleudir trabalhava na Cooperativa de Consumo União de Catanduva.
O Professor Anísio era cooperado.
A escola recebera na sexta-feira o comunicado ANTA, para a próxima segunda-feira.
No sábado, a Cooperativa funcionava até as 13:00hs.
Por volta das 10h30min, o Professor Anísio foi à Cooperativa efetuar algumas compras.
Ao avistar o garoto falou:
-Cleudir, eu sei que vocês no GERB programaram cabular as aulas na segunda-feira, preste bastante atenção ao que vou dizer:
- Entre e assista às aulas. Todos os que faltarem irão se arrepender amargamente. Não falte.
Na segunda-feira, como estava programado, Cleudir e seus amigos fizeram a barricada convencendo a maioria a não entrar na escola.
Ele avisou seus amigos que estava com receio, o Diretor fizera uma advertência direta a ele. Era melhor ele entrar.
Seus amigos o convenceram do contrário, seria traição.
Na empolgação do momento, deixou de lado o aviso do Professor Anísio e era um dos mais participativos na batalha para convencer os alunos a não entrarem na escola.
Após, foi para a Praça da República festejar com seus colegas.
Na quarta-feira, o Diretor cumpriu o que prometera.
Ele entrou na primeira sala de aula e anunciou:
- Os Senhores sabem que não tolero indisciplina.
-Eu já havia prometido que ninguém ficaria impune cometendo uma infração. Não vou tolerar baderna, desobediência por parte de vocês.
-Os alunos do número 1 ao 20, arrumem seus matérias e vão para suas casas.Vocês estão suspensos por 3 dias: quarta , quinta e sexta.
- Do número 20 ao 40, estão suspensos , segunda terça e quarta
- As provas serão mantidas nas datas previstas.
Virou um tumulto. Todo mundo seria prejudicado.
Quando ele entrou na sala que Cleudir estudava, a escola estava em ebulição. Muitos alunos chorando pelo corredor.
- Com licença Professor Geraldo, preciso falar com seus alunos, anunciou.
O Professor Geraldo saiu da sala.
Ele arrumou os óculos sobre o nariz, cruzou as mãos sobre a barriga e de forma solene disse:
- Um dos principais pilares que norteiam uma Instituição é a Disciplina!
- É inadmissível a forma irresponsável como os Senhores agiram, cabulando as aulas.
- Todos os alunos que assim procederam, estão sendo tratados de acordo com seus atos, estão sendo suspensos.
- Nesta sala, haverá uma exceção.
- Eu estive no trabalho de um aluno desta sala e o avisei que ele deveria assistir às aulas. Ele não obedeceu.
- Portanto, ele responderá pela sua desobediência.
- Senhor Antonio Cleudir de Souza, arrume seus matérias e saia!
- O Senhor está suspenso por seis dias consecutivos.
A classe toda se virou para olhar para o garoto.
O menino não disse uma palavra.
Olhou fixamente os olhos do Diretor, pálido, juntou seus cadernos e se retirou.
Ele jurou que desta vez não choraria, apesar do nó apertado em sua garganta, de se sentir só, desamparado.
Parecia que o mundo desabara sobre sua cabeça.
Seus amigos se mostraram solidários, toda matéria nova era repassada a ele. Eles convenceram alguns Professores adiarem as provas, para que ele não fosse prejudicado.
Só o tempo mostraria que o castigo imposto ao garoto, serviria para fortalecer o laço de amizade com seus colegas.
Eles passaram a valorizar mais a lealdade.
Aprendemos com o Professor Anísio, como autoridade deve se comportar para manter a Disciplina.
Escrito por Antônio Cleudir de Souza, aluno do Instituto de Educação Barão do Rio Branco.