Fisgando um Peru.
(Antônio Cleudir Souza)
Toninho adorava lambari frito.
Sua mãe, (Dona Lola), quando fazia no almoço ou jantar,ficava dos Deuses.
Ele trazia uma fieira com muitos peixes.
Ela mandava que ele tirasse toda a escama, cortasse com uma tesourinha e lavasse a barrigada em água corrente, deixando-os limpinhos.
Ela colocava em uma pequena tigela, um limão cravo ou galego espremido, alho amassado e sal, para temperar os lambaris.
Fazia dois cortes nos dois dorsos do peixe, deixando sua espinha exposta, para que ao fritá-lo, o óleo quente penetrasse e tostasse a espinha, tornando menos perigoso engasgar ao comê-los.
Ela polvilhava os peixes com farinha de trigo.
Colocava óleo em uma panela pequena, jogava um fósforo apagado e acendia o fogo. Quando o fósforo acendesse, era o momento de fritar os lambaris.
O rio São Domingos tinha uma grande variedade de peixes. Cada trecho do rio tinha uma denominação inventada pelas crianças e elas sabiam onde fisgar cada espécie de peixe.
Aproximadamente dois quilômetros rio acima, tinha a “Curva”, ou o “Poço das Tabaranas”. A Tabarana era um peixe lindo, grande, claro, rabo vermelho, arisco, difícil de pescar.
Era uma curva acentuada, e provavelmente o local de maior profundidade daquele rio.
Seu Jair Espada, pai do Pacheco era especialista em pegar Tabarana.
Ele caçava filhotes de rã, que usava como isca.
Saia para pescar de madrugada ou ao entardecer. Era o melhor horário para pescá-las.
Toninho nunca conseguiu pescar uma Tabarana.
Era de dar inveja a todo garoto, vê-lo trazendo em sua fieira quatro ou cinco daqueles belos peixes de rabo vermelho pesando acima de 1 quilo.
Às vezes vinham em sua fieira algumas “Traíras”.
Eram grandes, escuras, lisas, parecendo ensaboadas. A Traíra é um peixe carnívoro e de dentes afiados, sua mordida machucava muito, era preciso cuidado ao pegá-las.
Um pouco abaixo da Curva, entre o Ingazeiro e o Arranha Gato, ficava o “Poço dos Bagres e Mandi”. O Mandi emitia um som que os meninos diziam que estava chorando. Seu nome então era Mandi chorão.
Quando chovia e a água ficava escura, cor de barro, eles apareciam em grande quantidade, era fácil pescar.
A ferroada do Mandi causava inchaço e muita, muita dor. O melhor remédio era urinar em cima da ferroada. O alívio era rápido. De vez em quando um amigo também urinava no local para ajudar.
No mesmo poço, quando a água estava limpa era bom para pescar “Curimbatá” e “Xamburé”. Peixes que mamavam a isca, boca pequena, difícil de pegar.
As “Piranhas” que fisgávamos, eram pequenas e agressivas.
Descendo um pouco mais, ficava o “Formigão”.
Era uma curva larga, o local ideal para nadar.
Os meninos deixavam suas roupas embaixo de uma árvore, e nadavam pelados.
Do lado direito do rio, tinha um barranco alto, de onde se podia mergulhar rente às pedras, o leito do rio era profundo.
Na outra margem, era raso, com areia branca, espraiada.
O “Zé Maria Menegole” sempre teve vontade de participar das brincadeiras com os outros meninos. Ele era muito branco, comprido, desajeitado.
Seu Ludovico seu pai, era muito bravo e não o deixava sair de sua casa.
Para provocá-lo em seu quintal, a garotada gritava uma rima:
Zé Maria Menegole
Bebe água e não engole
Zé Maria Menegole
Bebe água e não engole
O menino ficava furioso, atirava pedras. Elas não tinham direção, não acertava ninguém.
Um dia, ele resolveu desobedecer a seu pai e brincar com os garotos.
Foi com a turma no “Formigão”, tirou sua roupa e nadou a tarde toda.
Seu Ludovico chegou de mansinho nas margens do rio, pegou suas roupas.
Quando estava distante, assoviou para o filho.
Zé Maria conhecia aquele assovio. Desesperado, procurou suas calças embaixo da árvore onde havia deixado, em vão.
O coitado do Zé Maria saiu correndo pelado, escondendo o pintinho com as duas mãos, subiu a rua de sua casa chorando e gritando.
Quase todos os vizinhos vinham para frente de casa, para ver o que estava acontecendo.
Que vergonha!
Ficamos com pena do Zé Maria, era muita maldade.
Naquele dia, fizemos um juramento:
Nunca mais falaríamos a rima do Zé Maria Menegole. Não era justo, ele já sofria demais com o seu pai.
Ele não voltaria a brincar com nossa turma.
Nesta parte do rio, podíamos pegar o “Peixe Cascudo” entre as pedras, com as mãos. Eles eram lentos e ficavam em pequenos buracos no barranco.
Um pouco abaixo, ficava a “Desemboca”.
Era o local onde o pequeno “Rio Minguta” desaguava suas águas no Rio São Domingos.
Nas margens, rente aos barrancos havia muito capim, que avançava para dentro do Rio.
Ali era o local ideal para pescar o “Peixe Espada” (que no Pantanal chamam Tuvira).
Elas se alimentam da raiz do capim. Era mais fácil pegá-las com uma peneira grande.
Ali havia também dois tipos de “Peixe Cará”.
Um era escuro, com formato de lambari, um pouco mais redondo. O outro, chamávamos de “Cará Ratinho” por ter o formato de um camundongo.
Continuando a descida do rio, embaixo da ponte da Rua Pará, ficava o “Bosteiro”.
Era onde um cano largo despejava o esgoto da cidade.
Apesar da grande quantidade de peixes que víamos, nenhum garoto pescava no local. O cheiro que exalava era insuportável.
O cardume de lambari por todo o rio parecia interminável.
Havia o lambari de rabo amarelo, e o “Tambiú” de rabo vermelho.
Junto com o cardume de Lambaris, sempre havia alguns “Peixe Canivete” e o “Peixe Piau”.
Eles eram fininho, compridos, com uma lista preta de cada lado.
Alguns “peixes Piau” cresciam bastante. Eles tinham a boca miúda, mas com o anzol mosquitinho podíamos fisgá-los.
Usávamos várias iscas para pegá-los.
Com a mão em concha, nos aproximávamos de um mosquito. Era capturado num movimento rápido sobre ele. Em seguida era arremessado contra a parede e depois colocado em uma caixa de fósforos.
Arrastando os pés na grama, pegávamos pequenos gafanhotos no pasto. Com eles, era possível pegar mais que um lambari com a mesma isca, não saem do anzol com facilidade.
Na revoada de “Cupim”, ou arrancando um Cupinzeiro, pegávamos os cupins que tinham asas.
Com eles, podíamos pescar sem chumbada, o lambari vem buscá-lo na superfície.
Amassando duas ou três colheres de farinha de trigo com um pouco de água, colocando um pouco de algodão, para que ela não soltasse do anzol, fazíamos massa para pescar lambari.
A isca mais comum e que era possível pegar qualquer peixe, era a Minhoca.
Para pescar usávamos uma vara de Bambu, linha fina e anzol mosquitinho.
A chumbada era feita com chumbo da embalagem da pasta dental, cortada bem fininho.
Hoje, Toninho ia pescar com Minhoca.
No fundo do quintal, começou a escavar com o enxadão, perto da Jabuticabeira. Havia uma boa quantidade de minhocas no local.
Assim que elas iam surgindo, eram colocadas em uma pequena lata de massa de tomate e cobertas com terra.
Ao bater com o enxadão no buraco feito, ele cortou uma minhoca cabeçuda ao meio.
Ela era ótima, podia render alguns peixes. Não podia deixá-la. Não ia perder aquela fisgada que ela proporcionaria.
Pegou a vara de bambu, iscou a cabeça da minhoca no anzol e encostou a vara na cerca.
Quando viu que tinha minhoca suficiente, fechou o buraco e foi pegar a vara para ir pescar.
Ela não estava onde ele havia deixado.
Quem pegou a vara de pesca?Ele estava sozinho!
Tinha certeza que havia deixado ali na cerca, ao lado da Goiabeira.
Olhou para trás e viu a vara andando pelo quintal.
Na outra extremidade, o Peru andava arrastando a linha.
Ele engoliu a minhoca que Toninho colocou no anzol, estava fisgado!
-Se minha mãe ver isso eu estou perdido. Ela não vai entender, pensou o menino.
Segurou a vara e tentou puxar o Peru.
Ele ficava empacado, esticava o pescoço com cara aflita. Devia estar doendo muito.
Soltou a vara e tentou pegá-lo. Ele corria assustado!
Pegou a vara novamente.
Parou de tentar puxar, só segurava a varinha, tentando se aproximar.
Ele fugiu de novo.
Ficou aflito. Ele estava perdido. Não tinha jeito.
Depois de algum tempo rezando, apareceu o seu irmão Zé Mario.
Pediu sua ajuda, jurou que não foi de propósito. Explicou tudo que aconteceu.
-Segure a vara para ele não correr, ele disse.
Zé Mário se aproximou devagar por traz da ave, e agarrou o Peru.
Ele se debatia desesperado. Enquanto um segurava, o outro tentava abrir seu bico.
Eles ficaram um tempão lutando com o Peru, tentando tirar o anzol da sua garganta.
Parecia que não conseguiriam.
Quando finalmente ele conseguiu, Toninho suspirou aliviado.
Guardou a lata de minhoca para o dia seguinte.
Aquele dia, não foi pescar lambari.
Ficou só na fisgada do Peru.
Fim